Sendo a Liturgia, como disse o Concílio Vaticano II em
sua Constituição sobre a Liturgia, Sacrosanctum
Concilium, cume e fonte da ação da Igreja, não se pode imaginar Igreja sem
Liturgia, nem Liturgia sem Igreja. Por conseguinte, as origens da Igreja e da
Liturgia devem coincidir: Quando nasceu a Igreja, deve ter nascido também a
Liturgia. É isso que o Vaticano II diz, repetindo assim palavras de santo
Agostinho: “Do lado aberto de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento
de toda a Igreja” (SC 5). Assim o Concílio se refere evidentemente ao relato do
evangelista são João sobre a morte de Jesus. Para dizer que Jesus morreu ele
escreveu: “Entregou o espírito” (Jo 19,30). Muitos dos santos padres da Igreja
viam nestas palavras do evangelista ainda uma segunda afirmação, a saber, que
Jesus entregou, na hora da sua morte, o Espírito Santo. Esta interpretação tem
bons fundamentos no contexto do quarto evangelho.
Como lemos no sétimo capítulo do evangelho de são
João, na festa do templo Jesus anunciou água viva. O evangelho explica que
Jesus estava falando do Espírito, que ainda não havia, porque Jesus não fora
glorificado (Jo 7,37). A glorificação de Jesus, no entanto, coincide para são
João com a exaltação do Filho do Homem na cruz (cf. Jo 3,14s). Na base desta
interpretação compreende-se bem por que o Ressuscitado, na tarde do dia da ressurreição
, “soprou sobre os apóstolos e lhes disse: ‘Recebei o Espírito
Santo’ “ (Jo 20, 22). Páscoa e Pentecostes coincidem para o evangelista são
João.
Mas devemos dar um passo a mais. Em antigas e recentes
representações iconográficas da morte de Jesus ilustra-se a abertura do seu
lado pela lança, apresentando uma figura feminina debaixo da cruz, com um
cálice nas mãos, e para dentre deste cálice jorram o sangue e a água. Os padres
da Igreja interpretam a abertura do lado de Jesus também como o derramamento do
Espírito Santo, vendo na mulher com o cálice a Igreja, e na água e no sangue os
sacramentos do batismo e da eucaristia. Como lemos na Sacrosanctum Concilium, em santo Agostinho e em muitos outros
padres da Igreja, este derramamento do Espírito é o nascimento da Igreja como
sacramento universal da salvação, do qual os sete sacramentos, também os
sacramentais e outras celebrações litúrgicas, são como que um desdobramento.
Por isso podemos afirmar que a Igreja e a Liturgia nasceram na morte de Jesus
do seu coração.
Já que estamos falando em nascimento da Igreja, parece
conveniente completar esta visão do quarto evangelho pelo evangelho de são
Mateus, no qual podemos ver como a Igreja foi concebida. Lemos neste evangelho,
no fim do capítulo 9, que Jesus, percorrendo as cidades e os povoados,
ensinando o evangelho do Reino, e curando toda sorte de doenças e enfermidades,
“ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida, como
ovelhas sem pastor”. Então ele pediu aos discípulos que rezassem, para que o
Senhor enviasse operários à messe. Mas também, e acima de tudo, ele chamou os
doze e “deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda
sorte de males e enfermidades” (Mt 9,35-10,1). Estes doze são, evidentemente o
núcleo da futura Igreja. Não será permitido entender este texto no sentido de
que a Igreja foi concebida pela compaixão de Jesus, no seu coração compassivo?
Podemos assim, agora, concluir que são João e são Mateus têm visões da origem
da Igreja que bem se completam.
E são Lucas, embora descrevendo a origem da Igreja de
modo diferente, não discorda de são João e são Mateus sobre sua origem por
força do Espírito Santo e do coração de Jesus. Para o Concílio Vaticano II são Lucas não contradiz os seus colegas
evangelistas, mas por sua vez também os completa, pois em seu artigo 6 a Sacrosanctum Concilium diz que a Igreja
“no dia de Pentecostes apareceu ao mundo”.
Na base destes dados bíblicos e das interpretações
antigas e mais recentes, não será possível entender a origem da Igreja e da
Liturgia em certo paralelismo com a vinda do Filho de Deus ao mundo? Celebramos
festas solenes para comemorar a concepção, o nascimento e a epifania de Jesus.
Da Igreja não celebramos uma festa de sua concepção, mas podemos bem comemorar
o seu nascimento na páscoa e sua epifania em pentecostes.
Perguntas para reflexão individual ou em grupo:
1. Que
relação você(s) vê(em) entre Igreja e Liturgia?
2. Como
você(s) entende(m) com a SC, na base do quarto evangelho e das interpretações
dos padres da Igreja, a origem da Igreja e da Liturgia?
3. O que
lhe(s) diz a representação artística de Jesus morto na cruz, de cujo coração aberto
jorram sangue e água para dentro de um cálice que uma mulher segura?
4. O que
significa a afirmação da SC de que a Igreja se manifestou no dia de
pentecostes?
FONTE: WWW.CNBB.ORG.BR
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